Inquilinos- Luis
Fernando Veríssimo
Vamos pensar...
Nenhum de nós precisa acordar cedo para acender as
caldeiras e checar se a Terra está girando em torno do seu próprio eixo na
velocidade apropriada, e em torno do Sol de modo a garantir a correta sucessão
das estações. Como em um prédio bem administrado, os serviços básicos do
planeta são providenciados sem que se enxergue o zelador – e sem taxa de
administração.
Imagine se coubesse à humanidade, com sua
conhecida tendência ao desleixo e à improvisação, manter a Terra na sua órbita
e nos seus horários, ou se – coroando o mais delirante dos sonhos liberais –
sua gerência fosse entregue a uma empresa privada, com poderes para remanejar
os ventos e suprimir correntes marítimas, encurtar ou alongar dias e noites e
até mudar de galáxia, conforme as conveniências de mercado, e ainda por cima
sujeita a decisões catastróficas, fraudes e falência...
Imagine se no Juízo Final num cuidadoso inventário
em que todos os estragos que fizemos no mundo seriam contabilizados e cobrados.
- Cadê a floresta que estava aqui? – Valia uma
fortuna.
E:
- Este rio não está como eu deixei...
E, depois de uma contagem minuciosa:
- Estão faltando cento e dezessete espécies.
A Humanidade poderia tentar negociar. Apontar as
benfeitorias – monumentos, parques, áreas férteis onde outrora existiam
desertos – para compensar a devastação. O Proprietário não se impressionaria.
- Para o que eu quero o Taj Mahal? Sete Quedas era
muito mais bonita.
- E a catedral de Chartres? Fomos nós que
construímos. Aumentou o valor do terreno em...
- Fiquem com todas as suas catedrais, represas,
cidades e shoppings, quero o mundo como eu o entreguei.
Não precisamos de uma mentalidade ecológica.
Precisamos de uma mentalidade de
locadores. E do terror da indenização.
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