domingo, 16 de setembro de 2012



Inquilinos- Luis Fernando Veríssimo



Vamos pensar...

Nenhum de nós precisa acordar cedo para acender as caldeiras e checar se a Terra está girando em torno do seu próprio eixo na velocidade apropriada, e em torno do Sol de modo a garantir a correta sucessão das estações. Como em um prédio bem administrado, os serviços básicos do planeta são providenciados sem que se enxergue o zelador – e sem taxa de administração. 
Imagine se coubesse à humanidade, com sua conhecida tendência ao desleixo e à improvisação, manter a Terra na sua órbita e nos seus horários, ou se – coroando o mais delirante dos sonhos liberais – sua gerência fosse entregue a uma empresa privada, com poderes para remanejar os ventos e suprimir correntes marítimas, encurtar ou alongar dias e noites e até mudar de galáxia, conforme as conveniências de mercado, e ainda por cima sujeita a decisões catastróficas, fraudes e falência...
Imagine se no Juízo Final num cuidadoso inventário em que todos os estragos que fizemos no mundo seriam contabilizados e cobrados.
- Cadê a floresta que estava aqui? – Valia uma fortuna.
E:
- Este rio não está como eu deixei...
E, depois de uma contagem minuciosa:
- Estão faltando cento e dezessete espécies.
A Humanidade poderia tentar negociar. Apontar as benfeitorias – monumentos, parques, áreas férteis onde outrora existiam desertos – para compensar a devastação. O Proprietário não se impressionaria.
- Para o que eu quero o Taj Mahal? Sete Quedas era muito mais bonita.
- E a catedral de Chartres? Fomos nós que construímos. Aumentou o valor do terreno em...
- Fiquem com todas as suas catedrais, represas, cidades e shoppings, quero o mundo como eu o entreguei.
Não precisamos de uma mentalidade ecológica. Precisamos de uma mentalidade de locadores. E do terror da indenização.

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